Fraudes em licitações colocam sob suspeita programa de construção de unidades de saúde da governadora do Maranhão, em um negócio de quase meio bilhão de reais

ESCÂNDALO
Relatório da Procuradoria de Contas aponta irregularidades na
licitação e pede a devolução de repasses feitos a empreiteiras
Relatório da Procuradoria de Contas aponta irregularidades na
licitação e pede a devolução de repasses feitos a empreiteiras

DENÚNCIA
Documento cita empresas envolvidas
Documento cita empresas envolvidas
Quem percorre o interior do Maranhão se
surpreende com a quantidade de esqueletos de grandes obras abandonadas e
expostas ao tempo. Várias delas estão em municípios humildes como
Marajá do Sena, Matinha e São João do Paraíso. São hospitais públicos
inacabados do programa Saúde é Vida, principal bandeira da campanha de
reeleição de Roseana Sarney (PMDB). Com apenas 12% do cronograma
cumprido desde que foi lançado há dois anos, o projeto já tem um custo
superior a R$ 418 milhões e corre o risco de virar mais um imenso
monumento à corrupção. Relatório da Procuradoria de Contas maranhense,
obtido com exclusividade por ISTOÉ, acusa o governo de fraudar o
processo licitatório, pede a devolução de parte dos repasses e a
aplicação de multa ao secretário de Saúde, Ricardo Murad, cunhado da
governadora. A investigação dos procuradores Jairo Cavalcanti Vieira e
Paulo Henrique Araújo, a partir de representação do Conselho Regional de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Maranhão, revela um cipoal de
irregularidades e mostra como o governo beneficiou empreiteiras que
depois abasteceram o caixa de campanha do PMDB com mais de R$ 2 milhões.
Os problemas começaram no segundo
semestre de 2009, quando o governo de Roseana resolveu lançar o Saúde é
Vida. Mesmo sem previsão orçamentária, a governadora conseguiu incluir o
programa no Plano Plurianual e entregou sua execução ao cunhado. Murad,
alegando urgência, contratou sem licitação a empresa Proenge Engenharia
Ltda. para a elaboração dos projetos básico e executivo. Os
procuradores descobriram que, na verdade, o projeto básico já tinha sido
elaborado por técnicos da própria Secretaria de Saúde. A mesma Proenge
venceu, logo depois, um dos lotes da concorrência 301/2009 para a
construção de 64 hospitais de 20 leitos. O edital da obra indicava que
as empreiteiras vencedoras deveriam elaborar o projeto executivo dos
hospitais. Ou seja, a empreiteira acabou recebendo duas vezes para
prestar o mesmo serviço. No total, a Proenge recebeu R$ 14,5 milhões.
Para os procuradores do TCE maranhense, que questionam o caráter
emergencial da contratação, “os valores pagos à empresa Proenge
constituem lesão ao erário e devem ser objeto de ressarcimento”. Eles
calcularam em R$ 3,6 milhões o total que deve ser devolvido.
As ilegalidades não param aí. A
construção dos hospitais de 20 leitos foi dividida em seis lotes, mas
três deles simplesmente não entraram na licitação. Foram entregues a
três empreiteiras diferentes: Lastro Engenharia, Dimensão Engenharia e
JNS Canaã, que receberam quase R$ 64 milhões em repasses e nem sequer
construíram um hospital. A JNS Canaã é um caso ainda mais nebuloso. Os
procuradores afirmam que a empreiteira, filial do grupo JNS, teve seu
ato constitutivo arquivado na Junta Comercial do Maranhão em 24 de
novembro de 2009, dias antes de fechar contrato com o governo. A
primeira ordem bancária em nome da JNS saiu apenas quatro meses depois,
em 16 de abril de 2010. Sozinha, a empresa recebeu R$ 9 milhões, não
concluiu nenhum dos 11 hospitais e teve seu contrato rescindido por
Murad. Antes, porém, a mesma JNS doou R$ 700 mil para a campanha de
Roseana, por meio de duas transferências bancárias, uma de R$ 450 mil
para a direção estadual do PMDB e outra de R$ 300 mil para o Comitê
Financeiro, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral.
FAVORECIMENTO
Roseana e Ricardo Murad (à esq.), em inauguração
de hospital: eles beneficiaram empreiteiras
Roseana e Ricardo Murad (à esq.), em inauguração
de hospital: eles beneficiaram empreiteiras
A Dimensão Engenharia e Construção
Ltda., outra das contratadas sem licitação, foi ainda mais generosa ao
injetar R$ 900 mil no caixa do partido durante a eleição. A Lastro
Engenharia, por sua vez, repassou aos cofres peemedebistas mais R$ 300
mil. A empresa conseguiu dois contratos com dispensa de licitação: a
reforma do Hospital Pam-Diamante, em São Luís, e a construção de
hospitais de 20 leitos. Além disso, foi uma das vencedoras da disputa
(licitação número 302/2009) para erguer unidades de saúde com 50 leitos.
Esses contratos foram aditivados em 25% (o limite legal previsto pela
legislação). Ao todo, a empreiteira faturou R$ 58 milhões. O uso do
limite para elevar o valor dos contratos foi utilizado também por outra
construtora, a Ires Engenharia, o que alertou os procuradores do TCE.
“Chama a atenção o fato de o valor acrescido aos contratos coincidir até
nos centavos com o valor limítrofe previsto em lei. A impressão que se
tem é que ou o valor originariamente contratado foi equivocado ou os
aditivos foram firmados sem critério estritamente técnico”, escreveram
no relatório.
Para o deputado Domingos Dutra (PT), os
problemas no programa Saúde é Vida vão além do anotado pelos
procuradores. Um levantamento das ordens bancárias de 2010 mostra uma
série de repasses redondos que, segundo Dutra, “indicariam a prática de
caixa 2 para abastecer a campanha de Roseana.” A Dimensão Engenharia,
por exemplo, recebeu R$ 1 milhão em 19 de julho. Três dias antes, a
empreiteira Console apresentou fatura de R$ 2 milhões. No mesmo dia, o
governo pagou mais R$ 1 milhão à Geotec e R$ 1,5 milhão à Guterres, que
no dia 22 recebeu mais R$ 500 mil. A JNS teve três repasses redondos: R$
300 mil e R$ 50 mil em 16 de abril e R$ 1,5 milhão em 16 de julho. A
Lastro teve um repasse de R$ 1,5 milhão; a Proenge, dois repasses de R$
600 mil e R$ 300 mil; e a Ires Engenharia, um pagamento de R$ 1 milhão.
“Nenhuma empresa emite nota fiscal pela prestação de serviços com
números redondos”, afirma Dutra. “Geralmente são valores fracionados,
até em centavos, como vemos nas dezenas de outras ordens de pagamento.” O
parlamentar encaminhou petição ao Ministério Público Federal e à
Controladoria-Geral da União.
Além dos indícios de corrupção e do uso
das obras para angariar dividendos políticos, o deputado federal Ribamar
Alves (PSB) ataca a concepção do Saúde é Vida, que, segundo ele,
contraria determinações do próprio Ministério da Saúde sobre a
construção de hospitais em cidades com menos de 30 mil habitantes.
“Essas prefeituras não têm dinheiro para a manutenção desses hospitais
nem médicos suficientes ou demanda”, afirma. Ele estima em R$ 500 mil o
custo mensal para a manutenção dessas unidades, valor acima da soma dos
repasses do Fundeb, do SUS e do Fundo de Participação dos Municípios.
“Sem gente nem dinheiro, esses hospitais vão se transformar em imensos
elefantes brancos”, diz Alves. O parlamentar lembra que a Comissão de
Seguridade Social e Família da Câmara aprovou requerimento do deputado
Osmar Terra (PMDB/RS) para convidar Murad a prestar esclarecimentos
sobre o programa e outros problemas na área da saúde. “Ele tem muito o
que explicar”, afirma. Procurado por ISTOÉ, o secretário de Saúde do
Maranhão não se manifestou até o fechamento da edição.

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